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Capítulo – Cinzas de Orgulho
Terras Baixas – Bordel "A Rosa de Ferro"
A noite descia como uma sombra quente e decadente sobre as Terras Baixas. Longe dos salões polidos do Norte, as ruas eram cheias de fumaça, risos roucos e lamparinas trêmulas. Ali, ninguém se importava com linhagens, relíquias ou conselhos.
Tharion entrou no bordel já meio trôpego, o manto rasgado, a barba por fazer. A cabeça pesada não era apenas pelo vinho que começara a beber antes de sair da estalagem — era pela vergonha, pela dor, pela dúvida.
— Tragam tudo que arde — disse, desabando sobre uma almofada junto a duas acompanhantes que o olhavam com uma mistura de desejo e compaixão.
O vinho veio. Depois, veio mais.
— Sabem... — começou, com um sorriso torto — ...eu a amava. A princesa. Aquela dos olhos de relâmpago. Sabem como é ver o céu cair? Pois eu vi. Vi cair sobre mim e ainda pedi por mais.
As mulheres riram, mas Tharion não. Ele virou a taça.
— Me disseram que ela carregava um filho... — ele ergueu o dedo. — Dele. O verme da serpente. E mesmo assim, meu coração... ainda não me deixou odiá-la.
— Você foi enfeitiçado, amor — disse uma das mulheres, acariciando o braço dele. — Ou talvez só foi burro.
Ele riu alto, rouco, com uma tristeza quase digna.
— Ambas, talvez. Eu fui o idiota que sonhou com um mundo onde o amor bastava. Que pensou que um bastardo poderia ser escolhido.
A outra mulher, mais velha, lhe entregou uma garrafa.
— Então brinda, idiota. E esquece por uma noite.
E ele brindou.
E caiu.
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Amanhecer — Estalagem nos limites das Terras Baixas
A luz do sol invadiu o quarto, implacável. Tharion acordou com a boca seca e a cabeça estalando. Dois de seus velhos aliados o esperavam na sala: Leorik, o arqueiro caolho, e Murien, a maga errante de cabelos vermelhos.
— Você virou motivo de fofoca até nas cavernas do sul — disse Murien, cruzando os braços. — Quer morrer bêbado ou fazer alguma coisa?
Tharion jogou água no rosto e resmungou.
— Não sei mais quem sou. Nem se vale a pena lutar.
Leorik se aproximou.
— O que fizeram com ela foi uma injustiça. Mas se você desistir agora, então sim, será o que dizem: um bastardo fraco que nunca teve valor.
Tharion encarou o velho amigo por um longo instante... e a raiva silenciosa voltou a crescer.
— Preciso vê-la — murmurou. — Mesmo que seja a última vez.
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Palácio do Norte — Jardim Interior Fechado
Kátyra andava em silêncio entre os salgueiros prateados, o rosto pálido e distante. Uma presença se aproximou por trás.
— Que lugar bonito para guardar segredos — disse Erizy, com sua voz aveludada como veneno diluído em mel.
Ela girou, tensa.
— Não estou com humor para seus jogos.
Ele se aproximou, devagar, os olhos fixos nos dela.
— Não são jogos, querida. São lembranças. Como aquela marquinha que você tem... — ele apontou para o lado esquerdo da cintura dela — em forma de meia lua, logo abaixo da costela. Ninguém sabia, certo?
Kátyra empalideceu.
— Monstro...
Erizy sorriu, vitorioso.
— Eu conheço cada pedaço do seu corpo agora. Cada suspiro. Cada recusa. Cada lágrima. Isso ninguém poderá apagar.
Ela tentou esbofeteá-lo, mas ele segurou seu pulso.
— Vai me bater? Vai negar o que o espelho revelou? O Norte está em minhas mãos, Kátyra. E você também.
Ele a soltou com desdém e se afastou, deixando-a ali, trêmula e humilhada — mas com uma fúria nova crescendo dentro dela.