A alvorada chegou tingida de sangue no horizonte. O céu tingido em tons vermelhos parecia refletir a turbulência que crescia dentro de Ethan. A marca do Elo Duplo havia se estabilizado, mas agora pulsava como um segundo coração, guiando pensamentos, emoções… e, por vezes, instintos que não pareciam inteiramente seus.
Althar conduziu Ethan e Maerlyn por uma trilha oculta entre as montanhas, até uma antiga torre escondida pela névoa — um antigo reduto dos Vigilantes, esquecido por tempo e homens. O local exalava o peso da história: tapeçarias puídas, armas enferrujadas e inscrições ancestrais nos pilares que cercavam um salão circular no centro.
Ali, Ethan viu pela primeira vez os Arquivos Fragmentados, registros secretos da Vigília sobre os Elos, guardados em cristais selados por magia.
Althar apontou para o maior deles.
— Este cristal contém os registros da Primeira Ruptura. A primeira vez que o Elo Primordial tentou se libertar.
Ethan se aproximou. Quando tocou o cristal, visões o inundaram:
Chamas engolindo reinos. Montanhas desmoronando. Cidades virando pó. Uma única entidade caminhando pelo vazio, feita de luz e trevas fundidas. Onde ela passava, tudo era desfeito — e recriado de maneira grotesca, como se a realidade estivesse sendo reescrita por mãos cegas.
A imagem desapareceu.
— Isso aconteceu há mais de mil anos. — disse Althar. — E foi contido… ao custo de todos os Elos sendo forçados a sacrificar seus corpos para alimentar o selo.
— E agora, com o Elo Duplo... esse selo está ruindo. — Ethan concluiu, sombrio.
— Sim. E não temos tempo.
Naquela mesma tarde, uma mensagem urgente chegou à torre. Um pequeno vilarejo nas encostas de Myr, chamado Rehal, havia sido atacado por um grupo de fanáticos ligados a uma seita chamada O Círculo da Emersão. Eles estavam procurando o "Portador da Chave".
— Estão atrás de mim. — Ethan murmurou.
— Não exatamente. — Maerlyn respondeu. — Eles estão atrás da libertação do Elo Primordial. E qualquer um que se oponha a isso… é um obstáculo.
Ethan tomou a decisão ali mesmo.
— Vamos a Rehal. Agora.
Rehal era uma ruína em chamas quando chegaram. Casas quebradas, cadáveres espalhados pelas ruas, e sobreviventes escondidos em cavernas próximas. O céu parecia mais escuro ali, como se o próprio mundo sentisse o peso da tragédia.
Uma criança correu até Ethan, os olhos cheios de lágrimas.
— Eles levaram minha irmã... disseram que ela tinha o 'olhar do Elo'... e a arrastaram para o templo da colina...
Althar apertou os punhos.
— Estão usando os corpos como receptáculos. Sacrificando inocentes para tentar imitar a energia do Elo Duplo.
Ethan não pensou. Subiu a colina com passos largos, Maerlyn e Althar logo atrás. O templo era um antigo santuário de pedra, agora tomado por runas distorcidas e o símbolo do Círculo: dois olhos costurados com espinhos.
Lá dentro, a garota estava amarrada em um altar. À sua volta, cinco figuras encapuzadas entoavam cânticos em uma língua esquecida. A energia no ar era pesada, quase sufocante.
Ethan não hesitou.
— Parem isso agora. Ou morrem.
Uma das figuras ergueu o rosto. Seu olhar era vazio, insano.
— Você… é o portador… você é o erro... você é o início e o fim.
Ele avançou, envolto em energia negra. Ethan canalizou o Elo.
O embate foi rápido — brutal. Cada golpe era uma explosão de energia. Ethan movia-se com precisão sobrenatural, seu poder agora mais instintivo do que racional. Ele derrubou três deles em segundos.
O quarto tentou fugir. Maerlyn o paralisou com magia.
O quinto… era o mais velho. E sorria.
— Você usou o Elo para matar. Usou a chave... para destruir. Já começou a ceder, não é?
Ethan o atingiu com força suficiente para lançá-lo contra a parede, quebrando-lhe a espinha.
Mas algo dentro de si vibrou.
A marca queimou. Forte.
"Você escolheu… de novo."
Ele caiu de joelhos. Sangue escorria de seu nariz. Seus olhos ardiam.
A garota estava segura. Mas Ethan não se sentia herói.
Se sentia algo entre o justiceiro… e o monstro.
Naquela noite, no topo do templo, Ethan encarou a lua partida. A dúvida o consumia.
— Quantas vezes mais vou ter que matar… antes de perder tudo o que sou?
Althar se aproximou.
— Não é sobre manter a pureza. É sobre escolher o que você está disposto a perder para proteger o que ama.
Ethan não respondeu.
Mas sabia.
Estava começando a cruzar linhas que não voltavam atrás.
E pior: estava ficando mais fácil.