O céu sobre o Refúgio de Prata estava encoberto por nuvens espessas, como se o mundo estivesse prendendo a respiração. Um silêncio estranho pairava no ar, não o da paz, mas o da incerteza que antecede uma nova tempestade.
Ethan permanecia sentado sobre um pedaço de pedra, observando as marcas brilharem em sua mão. A energia havia se acalmado, mas o calor não diminuía. A presença do Elo Duplo era constante, como se algo estivesse sempre vigiando seus pensamentos — silencioso, mas sempre ali.
— Você está diferente. — disse Maerlyn, com o braço ainda enfaixado. Ela se aproximou com passos lentos. — Não só por fora. Por dentro também.
Ethan não respondeu de imediato. Ainda podia ouvir as palavras de Kael ecoando em sua mente.
Sou o reinício da guerra.
Ele desviou o olhar para o horizonte, onde pequenas colunas de fumaça ainda subiam da destruição recente.
— Quem foi Kael? — perguntou ele, quebrando o silêncio. — Você já ouviu esse nome antes?
Maerlyn franziu o cenho, sentando-se ao lado dele.
— Kael... é uma lenda proibida. Um nome que sobrevive em fragmentos de textos antigos e sussurros entre estudiosos dos Elos. Dizem que ele foi o primeiro a tentar dominar todos os Elos, e que por isso foi condenado ao esquecimento. Mas ninguém sabe ao certo se ele existiu.
Ethan olhou para ela, a voz baixa.
— Ele está vivo. Ou... algo semelhante. Ele me levou para um lugar onde o tempo não corria. Disse que sou o reinício da guerra. Que o Elo é uma prisão.
A feiticeira recuou um pouco, surpresa. Os olhos dela buscaram os dele, tentando entender se aquilo era real. E ao ver o terror contido no fundo daquelas pupilas, ela soube que era.
— Então… o selo foi mesmo comprometido. — ela sussurrou. — Se o Elo é uma prisão, e você é a chave…
— Então tudo o que estamos fazendo pode ser inútil. — Ethan completou. — Estamos lutando por algo que talvez não devesse ser libertado. E eu nem sei o que é.
Maerlyn permaneceu em silêncio. Havia perguntas demais, e nenhuma resposta segura. E ainda assim, sabiam que não podiam parar.
Um som metálico cortou o ar. Ambos se viraram imediatamente, prontos para lutar — mas quem emergiu das ruínas do portão foi uma figura inesperada.
Vestia armadura leve, com insígnias de uma antiga ordem extinta: os Vigilantes do Elo. Um homem de rosto marcado pelo tempo, mas com olhos que carregavam foco absoluto. Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque baixo, e seu andar era firme, como de alguém acostumado a atravessar campos de guerra.
— Então é você. — disse ele, sem se apresentar. — O portador do Elo Duplo.
Ethan se levantou, desconfiado.
— E você é...?
— Althar. Último sobrevivente da Segunda Vigília. E, se me permite, o único que pode te ensinar a sobreviver com esse fardo.
Maerlyn se colocou entre os dois, desconfiada.
— Você devia estar morto. A Vigília caiu há mais de vinte anos.
— Caiu porque decidimos nos opor ao Conselho dos Elos. — disse Althar, com amargura na voz. — E porque descobrimos que os Elos não eram bênçãos, mas trancas. Como ele agora está descobrindo.
Ethan deu um passo à frente.
— Você também sabe do que está selado?
Althar assentiu, embora seus olhos ficassem mais sombrios.
— Sabemos partes. Fragmentos. Mas o suficiente para saber que, se as correntes se quebrarem... tudo como conhecemos desaparecerá.
— O que está selado? — Ethan perguntou com urgência. — Diga. Agora.
O velho guerreiro respirou fundo.
— O Primeiro Elo. O Elo Primordial. Não uma entidade... mas um conceito. O Elo da Existência. Ele moldava o equilíbrio entre vida e morte, entre matéria e vazio. Mas... se libertado... ele tenta restaurar o que havia antes de tudo.
— Antes de tudo...?
— Antes do tempo. Antes da consciência. Antes da criação.
O silêncio se instalou como uma parede de pedra entre os três.
Maerlyn foi a primeira a falar.
— Então essa guerra não é apenas política. Não é sobre poder ou dominação. É sobre manter a realidade estável.
Althar assentiu.
— E agora que o Elo Duplo despertou, todos os olhos estão sobre vocês. Inclusive os que jamais deveriam abrir-se de novo.
Naquela noite, Ethan não dormiu.
Sentado à beira do precipício que se estendia para além das Montanhas Partidas, ele sentia o vento soprar em seu rosto com violência. Era um lembrete do quão pequeno ele era diante do que se erguia no horizonte.
Atrás dele, os sons de martelos e magia ecoavam enquanto os sobreviventes do Refúgio tentavam reconstruir. Mas Ethan sabia que, dali em diante, não haveria paz.
A guerra viria.
E ele não era mais apenas um jogador nela.
Ele era o campo de batalha.