Nos dias seguintes, Michelle ficou pensativa. O passado, antes tão claro em sua mente como abandono e dor, agora era um quebra-cabeça com peças que ela nem sabia que existiam.
Enzo notou o silêncio. Durante o jantar, colocou os talheres de lado e olhou nos olhos dela.
— Quer me contar o que está te incomodando?
Michelle hesitou, mas falou. Contou sobre o orfanato, sobre Helena, sobre a revelação inesperada de D. Emília.
— Eu fui deixada lá quando pequena. Mas depois... ela me levou de volta. E só anos depois, me expulsou. É como se eu estivesse vivendo dois abandonos, Enzo. E não sei qual dói mais.
Ele segurou a mão dela com firmeza.
— Às vezes, a dor não vem só da ausência. Vem também da presença errada, de quem devia cuidar e não soube. Você é forte por ter sobrevivido a isso tudo. E agora, está se tornando quem nasceu pra ser.
Enzo sugeriu que procurassem mais registros sobre a infância de Michelle. Ele acreditava que conhecer toda a verdade ajudaria a curá-la. Juntos, decidiram visitar o antigo cartório do bairro e solicitaram documentos, registros e informações sobre aquele período.
Entre papéis antigos e arquivos empoeirados, Michelle encontrou uma foto: ela, pequena, em frente ao orfanato, segurando uma boneca de pano. Nos olhos da criança, um brilho tímido e curioso — o mesmo que ainda brilhava, escondido, dentro dela.
Ali, entre lembranças e descobertas, Michelle sentiu que não estava mais sozinha. Estava cercada de cuidado, apoio e, acima de tudo, verdade.