Eu não conseguia dormir.
Cada vez que fechava os olhos, via aquele lugar.
Aquela dimensão não era apenas escuridão — era algo... vivo. Sentia como se estivesse sido observado por mil olhos. E todos eles pertenciam a ele.
Caos.
Pela primeira vez, senti medo real.
Ryujin manteve silêncio durante o dia. Apenas me observava. Como se esperasse que algo dentro de mim quebrasse.
Só à noite, enquanto as chamas da fogueira dançavam sob o céu fechado, ele finalmente falou:
— Você viu o que ninguém deveria ver, garoto.
— Aquilo era o lar de Caos?
— Lar? — ele riu, amargo. — Não. Aquilo é uma prisão. Uma jaula forjada por deuses extintos para conter o impensável.
Me virei para ele. Velka também se aproximou, em silêncio.
— Como assim?
— Caos foi selado por entidades que existiam antes da própria luz. Mas ele corrompeu até o selo. Aquela dimensão era para ser um vazio eterno... mas ele a moldou com dor, raiva e vontade. Transformou o nada num trono.
Lembrei dos prédios flutuantes, das correntes vivas, das distorções. Daquela sensação de que a própria realidade gritava.
— Ele governa ali?
— Não. Ele reina sozinho. Não por escolha... mas por natureza. A dimensão se tornou um reflexo da alma dele — distorcida, amaldiçoada, insaciável.
— Por isso o poder dele me afeta?
Ryujin assentiu.
— Você carrega o mesmo sangue. A mesma centelha. Mas ainda tem algo que ele perdeu: humanidade. Enquanto você sentir, desejar, amar... você será diferente.
Mas ele não terminou ali.
— Se continuar treinando, seu poder crescerá. E mais do que isso: aquela dimensão vai começar a te chamar de volta. Ela reconhece o sangue do rei.
Engoli em seco.
— Você quer dizer que posso ser puxado pra lá de novo?
— Não só puxado. Talvez, um dia... aceito por ela.
Velka se aproximou, firme.
— Isso não vai acontecer. Ele não é como Caos.
Ryujin olhou para nós dois. Seus olhos, por um segundo, suavizaram.
— Espero que tenham razão.
Mas dentro de mim, eu já sabia a verdade.
A fenda estava aberta.
A ligação, desperta.
E o rei adormecido... começava a sonhar.