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Chapter 64 - Capítulo 64 – As Correntes do Juiz

A luz negra engoliu o mundo.

O tempo, por um instante, se curvou diante do toque de Ryouma na pele fria e etérea de Daelus. Não era calor, tampouco ausência dele — era algo além da matéria, além da lógica. O toque ativou ecos. Vozes. Memórias de mundos enterrados sob camadas de eras.

Tang San recuou instintivamente, cobrindo os olhos enquanto a pressão espiritual aumentava em torno deles. Xiao Wu caiu de joelhos, segurando a cabeça, como se mil agulhas invisíveis perfurassem sua mente.

Ryouma, no entanto, estava imóvel.

O contato não doía. Não feria. Mas estilhaçava tudo o que ele pensava ser. Como se cada lembrança, cada convicção, estivesse sendo desconstruída e reconstruída à imagem de algo muito mais antigo.

Dentro do Sistema, alertas surgiam sem cessar.

[Sincronia Iniciada – Entidade: Daelus, O Juiz Perdido][Corpo físico incompatível: 83% de rejeição espiritual][Risco de morte: 67%][Adaptando núcleo espiritual…]

O mundo ao redor parecia girar. O chão se deformava como líquido espesso. As árvores da floresta gritavam sem som, sombras se estendiam em direções impossíveis, e uma sensação de que o céu estava invertido tomou o ambiente.

No centro disso tudo, Ryouma estava de olhos fechados.

"Eu vejo…"

"O Julgamento…"

"O Início…"

A consciência de Daelus se infiltrava em sua mente não como palavras, mas como lembranças vivas.

Imagens desconexas: uma torre invertida flutuando num mar de estrelas; um exército de criaturas feitas de cristal e fogo, ajoelhadas diante de uma figura encapuzada; um trono vazio; e finalmente, o Julgamento — a execução de um ser com olhos como os de Tang San, mas com asas negras e marcas douradas queimando no corpo.

— Você é feito de decisão — murmurou Daelus, com voz mais fraca agora. — Você existe para quebrar ciclos. Mas será forte o bastante? Ou será quebrado junto com eles?

O poder do ser ancestral começou a se transferir. Não todo. Apenas um fragmento. Uma centelha.

Tang San percebeu isso.

— Ele está... recebendo algo que não deveria! — gritou. — Ryouma! Pare! Você não sabe de onde isso veio!

Mas era tarde demais.

O corpo de Ryouma foi envolto em símbolos giratórios, marcas que pareciam tatuagens divinas se formando em sua pele, brilhando em tons prateados e negros. Uma delas, em especial, tomou forma no centro de seu peito — a runa do Julgamento.

A explosão de energia final foi contida, mas potente. Tudo ao redor foi arremessado para longe — folhas, pedras, e até Tang San e Xiao Wu foram empurrados alguns metros. Os outros alunos, ainda inconscientes, foram poupados da cena completa.

Ryouma caiu de joelhos.

A fumaça negra que envolvia Daelus dissipou-se. As asas sumiram. O corpo daquele que fora o Juiz começou a virar poeira prateada.

— Eu fui... um fragmento. Nada mais. — disse Daelus. — Mas agora... você carrega o Eco. O Julgamento não terminará aqui…

Seus últimos traços desapareceram como areia levada pelo vento.

O silêncio caiu.

Ryouma respirava com dificuldade, mas estava consciente. Seus olhos estavam diferentes. Ainda negros, mas com pequenas faíscas prateadas nas bordas da íris. A energia ao seu redor parecia... diferente. Menos como a de um humano, mais como a de algo híbrido. Um receptáculo de eras.

Tang San se aproximou lentamente.

— O que você fez?

Ryouma o encarou.

— Escolhi. Você teria hesitado. O mundo não pode mais esperar por hesitação.

Tang San franziu o cenho. Ele não estava zangado — não ainda. Mas havia uma tensão crescente. Uma ruptura silenciosa.

— Você acha que entende este mundo porque já o viu de outro. Mas está mudando coisas que não compreende totalmente.

— E você acha que manter o equilíbrio é sempre o melhor caminho?

— Eu acredito que cada decisão deve ter peso. Você absorveu algo que ninguém — nem mesmo os mestres — entenderiam. E se você perder o controle?

Ryouma sorriu. Um sorriso frio. Maduro.

— Então será você quem me enfrentará. Como sempre foi o destino.

Essa frase causou um estalo no ar entre eles.

Como se o futuro estivesse selado naquele momento.

Tang San deu um passo para trás. Seus olhos estavam calmos, mas cheios de significados ocultos.

— A partir de agora, não confio mais em você, Ryouma.

— Ótimo — respondeu o protagonista. — Eu também não confio em mim.

Naquela mesma noite, longe dali, nas Montanhas do Norte, um velho homem acordou de um sonho com suor escorrendo pela testa.

Era o Ancião de um dos clãs secretos do mundo dos mestres espirituais. E seu sonho fora um presságio.

— O Julgamento... voltou — murmurou.

Ele olhou para o céu. Uma estrela havia piscado vermelho por um breve instante.

E isso significava apenas uma coisa.

Alguém havia tocado o Eco da Divindade.

Enquanto isso, no Salão dos Espíritos, a Pontífice Suprema meditou em silêncio.

Em sua visão espiritual, uma energia nunca antes vista no continente acabara de surgir. Uma mistura de sagrado e profano, de julgamento e caos.

— Que tipo de aberração está nascendo sob nossas narinas...? — ela murmurou.

Na manhã seguinte, os professores da Academia Shrek estavam em choque.

O local onde Ryouma e os outros haviam treinado estava completamente destruído. Marcas de uma energia ancestral marcavam o solo. E o cristal que antes era apenas um elemento curioso da floresta agora não existia mais.

Flender olhava para as marcas no chão e depois para Ryouma, que estava em silêncio.

— Isso foi você?

Ryouma olhou para ele. Seu olhar era mais profundo agora. Não arrogante. Apenas... distanciado.

— Foi o que precisava ser feito.

Flender engoliu em seco.

— Não importa o quanto você esteja crescendo, garoto. Se se tornar uma ameaça à Academia, nós...

— Eu sei — interrompeu Ryouma. — E espero que estejam prontos para me parar, quando chegar a hora.

Flender ficou mudo.

O silêncio se prolongou até o Mestre chegar. Tang San estava logo atrás dele.

O Mestre não disse nada imediatamente. Apenas observou.

— Houve uma alteração no seu espírito — afirmou. — Sua essência espiritual se expandiu.

Ryouma assentiu.

— Um fragmento antigo se conectou a mim. É tudo o que posso dizer... por enquanto.

O Mestre se aproximou mais, analisando. Finalmente, falou:

— Algo em você... está em conflito. Você não absorveu essa herança de forma pacífica. Está dividindo o corpo com algo maior.

Ryouma olhou para o céu.

— Que bom que alguém percebeu.

O Mestre manteve o olhar fixo nele.

— Isso não terminará bem.

— Talvez não — respondeu Ryouma. — Mas pelo menos... não vai terminar como antes.

Tang San se virou e começou a andar.

— A partir de agora — disse ele, sem olhar para trás — você está por sua conta, Shin Ryouma. Espero que saiba o que está fazendo.

Ryouma olhou para as próprias mãos.

Chamas negras dançavam entre seus dedos, silenciosas, obedientes. Mas, em seus olhos, o reflexo era de algo muito maior.

O Julgamento havia começado.

E o mundo... começava a se curvar.

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