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Chapter 45 - Capítulo 45 – O Véu da Alma

O ambiente ao redor de Ryouma e Tang San se desfez rapidamente. A luz que havia se espalhado ao redor deles, dissipando as sombras, se apagou com a mesma velocidade, deixando-os no mais profundo breu. O ar estava pesado, mais denso do que o normal, como se a própria realidade tivesse sido distorcida. O som de seus passos não ecoava mais, apenas o silêncio profundo que parecia engolir tudo ao redor deles.

O Sistema Arkanum se manteve em silêncio, não oferecendo nenhuma mensagem ou explicação. A ausência de informações fez com que a tensão entre os dois crescesse ainda mais. Ryouma sentia algo muito diferente dessa vez — uma sensação de que estavam se aproximando de algo maior, algo que eles não podiam controlar.

O vento gélido começou a soprar, trazendo uma névoa espessa que se formou do nada. Eles não podiam ver mais nada além dessa espessura opaca que se espalhava rapidamente, como uma cortina de incertezas.

— O que está acontecendo? — Tang San perguntou, a preocupação em sua voz sendo visível pela primeira vez. O que quer que fosse, ele também sentia que estavam se aproximando de algo muito mais perigoso.

Ryouma olhou ao redor, seus olhos tentando se ajustar à escuridão, mas não havia nada para ver. A névoa, densa como um pano de linho, tornava a visão impossível. Ele sentia a pressão daquilo, como se algo muito antigo e muito poderoso estivesse observando, esperando.

— O que está diante de nós... não é o que parece ser — Ryouma disse, mais para si mesmo do que para Tang San.

De repente, a névoa começou a se mover. Uma figura surgia das profundezas dessa escuridão, algo tão vasto que parecia engolir a própria luz. Aos poucos, os contornos da figura começaram a se formar, e o que apareceu diante deles foi um enorme espelho.

Era um espelho antigo, com uma moldura adornada por runas que brilhavam fracamente com uma luz prateada. Não havia reflexo na superfície, mas os dois sabiam que esse espelho não era normal. Ele emanava uma presença opressiva, como se estivesse prestes a revelar algo que não deveria ser visto.

Tang San avançou, hesitante. Sua expressão era sombria, os olhos fixos na superfície do espelho.

— O que é isso? — ele perguntou, a voz baixa, reverberando na solidão.

Uma voz sussurrou da superfície do espelho, um som abafado, mas claro o suficiente para que ambos escutassem:

— O Véu da Alma. Aqui, enfrentam suas próprias essências, suas sombras mais profundas, os medos não revelados e os desejos ocultos. Aqui, vocês não poderão escapar do que são de verdade.

Ryouma franziu o cenho. Ele não temia o que estava diante dele, mas sentia um desconforto crescente. Ele sabia que o que estava prestes a acontecer não seria algo fácil de lidar.

— Isso é um teste para nós, não é? — perguntou ele, os olhos ainda fixos no espelho.

A figura dentro da superfície do espelho se distorceu, e uma mulher surgiu. Ela não parecia humana, mas uma manifestação etérea da essência da alma, com longos cabelos negros que se moviam como se estivessem submersos na água, e olhos que refletiam todas as luzes e sombras do universo. Ela olhou para Ryouma e Tang San com uma expressão de compaixão distante.

— Exatamente. O Véu da Alma não é um teste de força, de habilidade ou de destino. É um teste de verdade. Aqui, vocês serão confrontados com aquilo que não podem fugir, com os aspectos mais profundos de seus seres. O que está escondido em seus corações será exposto.

Tang San deu um passo atrás, os punhos apertados.

— Não temos nada a esconder.

A mulher sorriu com tristeza.

— Todos têm algo a esconder, jovem Tang San. O único problema é que, muitas vezes, vocês mesmos não sabem o que estão escondendo. E quando confrontados com isso, as escolhas tornam-se ainda mais difíceis.

Ryouma sentiu a pressão aumentar. O espelho, que até então parecia um objeto estático, agora se distorcia, como se estivesse vivo. Ele podia ver fragmentos de sua própria vida começando a se refletir na superfície — cenas de sua infância, seu treinamento com a família, suas escolhas, suas perdas. Mas, à medida que os fragmentos se desenrolavam, ele viu algo que o fez estremecer.

Ele viu a primeira vez em que destruiu um inimigo sem hesitar, sentindo um prazer sombrio na vitória. Viu o momento em que abandonou um aliado, não por falta de confiança, mas por um cálculo frio e egoísta. E então, viu-se diante de um espelho ainda mais distorcido, onde sua imagem refletia uma versão dele mesmo que abraçava sua escuridão, tornando-se uma pessoa que ele temia ser.

— Não... isso não sou eu — murmurou Ryouma para si mesmo, afastando-se do espelho.

A mulher no espelho olhou para ele com um semblante pesado.

— O que você escolhe ser? O homem que você pensa ser, ou o homem que você tem medo de se tornar? Cada decisão, cada ação, cada pequeno gesto o aproxima de uma versão ou de outra.

Tang San estava parado ao lado de Ryouma, agora olhando para seu próprio reflexo. Ele viu sua versão mais jovem, cheia de idealismo, em meio aos primeiros desafios de sua jornada. Mas logo a cena se transformou, e ele viu-se confrontado com a dor de perder sua mãe, a perda da sua confiança nas pessoas, e o peso de carregar os segredos da Seita Tang.

— Eu não sou mais esse garoto... — disse Tang San, as palavras pesando em sua voz.

A mulher sorriu, como se entendesse as profundezas de suas almas. Então ela estendeu a mão, e o espelho brilhou intensamente.

— Não há mais como voltar. Agora, a escolha será feita. O Véu da Alma revela o que está enterrado em vocês. O que escolhem agora será o que formarão no futuro. Façam a escolha com sabedoria, porque a alma nunca se apaga de verdade. Ela apenas se adapta, se fortalece ou se destrói.

Ryouma fechou os olhos. Ele sabia que este momento não era sobre lutar contra inimigos externos, mas contra si mesmo. Cada passo que ele tomara até agora havia sido movido por suas próprias falhas e pela busca por poder. Mas ele não queria mais ser aquela versão de si, aquela pessoa fria e calculista que se afastava dos outros e sacrificava tudo pelo que achava certo.

Ele abriu os olhos e olhou para Tang San.

— Vamos em frente, Tang San. — disse ele, a voz mais firme agora. — Não importa o que o espelho mostre, não vamos deixar que nossas sombras nos consumam.

Tang San olhou para ele com uma expressão complicada, mas assentiu, compreendendo finalmente que, apesar dos caminhos diferentes que tomaram, ambos estavam em uma jornada semelhante — uma jornada para se libertar das correntes do passado.

A mulher no espelho fez um gesto, e as imagens começaram a se apagar, o reflexo de seus medos e erros desaparecendo lentamente. O espelho, antes opaco e negro, agora se tornava translúcido, refletindo apenas os dois jovens, com as sombras atrás de seus olhos desaparecendo.

— O Véu da Alma foi superado — disse a mulher. — Agora, a verdadeira jornada começa. A escolha que vocês fizeram aqui afetará o que ainda está por vir.

O espelho se desfez em partículas de luz, e a névoa espessa começou a se dissipar. Mas antes que tudo fosse completamente consumido pela luz, Ryouma e Tang San ouviram as palavras finais da mulher ecoando:

— O verdadeiro teste de vocês ainda está por vir... e ele virá de onde menos esperam.

O ambiente ao seu redor se desfez novamente, e eles se viram diante do próximo Véu, mais preparados, mas também mais conscientes de que o destino, mesmo que reescrito, sempre traz consigo uma sombra.

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