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Chapter 72 - Capítulo 72: Reunião dos Fragmentos

O sol que iluminava Valtor pela primeira vez em semanas lançava sua luz dourada sobre as pedras negras do templo em reconstrução. A cidade, outrora um lugar de ruínas e segredos adormecidos, agora pulsava com uma energia estranha — como um coração prestes a voltar a bater.

Ethan permanecia diante do altar central, a Lança da Ascensão firme em sua mão. A energia que vibrava dentro dela não era apenas mágica: era viva. Em seu íntimo, ele sentia a consciência da arma ressoando com a dele — uma troca silenciosa de memória e propósito. A lança o aceitara, mas com ela vinha um destino que começava a se revelar em pequenos fragmentos.

Elyss, mesmo ferida e visivelmente exausta, permanecia ao lado dele.

— Acha que está pronto para o que vem a seguir? — ela perguntou.

Ethan não respondeu de imediato. Seus olhos varreram os vitrais destruídos, os símbolos ancestrais ainda brilhando fracos entre as fendas das paredes.

— Ainda não — disse por fim. — Mas isso nunca impediu ninguém de tentar.

Ela sorriu, aquela expressão meio irônica, meio orgulhosa.

— Bom. Porque você vai precisar dessa teimosia agora. Os reinos sentiram a onda mágica quando a lança despertou. Os olhos do mundo se voltaram para cá... e para você.

Como se confirmando suas palavras, um estrondo ecoou nos céus. Do alto da muralha do templo, figuras encapuzadas observavam os dois. Em um instante, dezenas de mantos dourados deslizaram pelas escadas em espiral, formando um semicírculo diante do altar. Elyss se adiantou instintivamente, posicionando-se entre Ethan e os recém-chegados.

O que se seguiu foi um silêncio tenso, quebrado apenas quando o mais velho entre eles retirou o capuz, revelando uma barba prateada e olhos brancos, cegos, mas claramente atentos.

— O herdeiro tocou a lança — disse ele, a voz grave reverberando pelo templo. — O Legado se reativou. Os Fragmentos devem se reunir.

— Fragmentos? — Ethan perguntou.

Outro dos encapuzados deu um passo à frente.

— Há sete artefatos como este. A Lança da Ascensão é apenas um. Cada um está ligado a um dos pilares do mundo antigo. Quando forem reunidos, abrirão o caminho para o Coração de Ankar — o trono deixado vazio desde a queda dos Primordiais.

Ethan sentiu o peso da informação. A lança era apenas o primeiro passo. E se cada um dos artefatos estivesse escondido em locais tão perigosos quanto Valtor, a jornada seria longa.

— O Coração de Ankar... — Elyss murmurou. — Dizem que quem se sentar naquele trono poderá reescrever as leis da magia.

— E por isso muitos vão tentar impedir vocês — completou o ancião. — Outros vão querer se aliar, apenas para traí-los mais adiante.

Ethan cruzou os braços.

— E vocês? Vieram para ajudar, ou para avaliar?

O ancião sorriu levemente.

— Ambas. Viemos entregar isto.

Ele retirou um pequeno cristal esverdeado do manto. Quando o cristal tocou o chão, uma projeção mágica se acendeu: um mapa antigo, com sete pontos marcados em chamas brancas. As regiões eram distantes e diversas — desertos, arquipélagos, cavernas abissais.

— Este mapa mostra onde os outros Fragmentos foram detectados nos últimos séculos. Mas cuidado: não são todos que poderão empunhá-los. Cada artefato escolhe seu portador.

Elyss franziu o cenho.

— E se um deles cair nas mãos erradas?

— Então o mundo pagará o preço.

As palavras caíram como pedras na mente de Ethan. Ainda assim, não hesitou.

— Onde está o mais próximo?

O ancião indicou um ponto no norte, próximo à Cordilheira de Shivan.

— A Coroa da Harmonia. Protegida pelos monges do Templo da Neve Silenciosa. Eles não recebem forasteiros há mais de cem anos.

— Então talvez esteja na hora de uma visita — disse Ethan.

Os encapuzados assentiram em silêncio e, como chegaram, partiram — seus corpos se esvaindo em partículas de luz dourada.

Elyss se voltou para Ethan, seu olhar sério.

— Vamos realmente começar essa jornada?

Ele olhou para a lança.

— Já começou no momento em que a toquei.

Três dias depois, nas montanhas de Shivan

O ar era frio como navalhas. O vento cortava com violência, e a neve cegava a visão a cada passo. Ethan e Elyss, protegidos por mantos reforçados com magia térmica, avançavam devagar pelas trilhas estreitas da cordilheira. Acima deles, torres antigas surgiam da névoa como sentinelas esquecidas.

— Este lugar é... morto — disse Elyss. — Nenhum animal, nenhuma planta. Só o som do vento.

— Talvez seja o efeito da Coroa — respondeu Ethan. — Se o artefato influencia a harmonia, talvez esteja tentando manter o mundo em equilíbrio isolando esta área.

— Ou tentando impedir que alguém o encontre.

Avançaram até o fim da trilha, onde uma grande escadaria de pedra surgia, talhada na própria montanha. No topo, um templo branco como ossos antigos se erguia entre os picos congelados. As portas estavam entreabertas, como se esperassem por eles.

— Não gosto disso — sussurrou Elyss. — Está... fácil demais.

Ethan assentiu. Ainda assim, subiram.

No interior do templo, corredores gelados se estendiam em espiral. Em cada parede, pinturas antigas mostravam cenas de batalhas entre criaturas aladas e homens em mantos brancos. No salão central, finalmente, encontraram o altar da Coroa.

Ela flutuava sobre um pedestal, rodeada por seis estátuas de guerreiros ajoelhados. A aura que emanava do artefato era quase impossível de suportar: harmonia absoluta, perfeita, mas artificial — como se obrigasse tudo ao seu redor a se calar.

Ethan deu um passo à frente.

— Espere — disse Elyss. — Sente isso? Algo está... errado.

Antes que pudesse responder, as seis estátuas se ergueram em uníssono. Seus olhos brilharam em azul gélido, e espadas de cristal surgiram em suas mãos.

— Protetores... — Ethan murmurou. — Teste de dignidade.

As estátuas avançaram em silêncio mortal.

Elyss invocou sua espada, bloqueando o primeiro ataque com um giro rápido. Ethan girou a lança, desviando de duas lâminas, e contra-atacou com precisão cirúrgica. A luta era brutal. Os Protetores, apesar de feitos de pedra, moviam-se com a precisão de guerreiros vivos — cada golpe coordenado, sem desperdício de energia.

Ethan foi empurrado contra uma coluna, a lança quase arrancada de sua mão. Mas então, algo dentro dele se acendeu. Uma memória da energia da lança. Ele a canalizou, e um arco de luz explodiu de sua lâmina, desintegrando duas das estátuas.

— Use o ritmo! — gritou para Elyss. — Eles seguem padrões fixos. São harmônicos demais!

Elyss entendeu. Passou a quebrar o fluxo, atacando fora de tempo, surpreendendo os inimigos. Em poucos minutos, todas as estátuas jaziam em ruínas.

A Coroa ainda flutuava. Mas agora, uma voz ecoava.

— Harmonia não é silêncio. É equilíbrio. Desordem com propósito. Ruído que revela a verdade.

A coroa pousou na palma de Ethan. A energia a envolveu, mas não o expulsou. Ela o reconheceu. Outra peça havia sido conquistada.

Elyss se aproximou, ofegante.

— Dois de sete. Quantos guardiões mais teremos que enfrentar?

— Todos — respondeu Ethan. — E depois... algo pior.

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