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Capítulo – Os Que Caminham sem Som
A madrugada avançava com passos tímidos. O grupo seguia por uma trilha antiga, esculpida entre pedras que lembravam faces esquecidas. O céu estava estranho — sem nuvens, sem estrelas.
Kátyra caminhava à frente, a mão em sua barriga num gesto instintivo. Às vezes, um desconforto leve. Às vezes, apenas a sensação de que algo a observava.
Orren, ao lado, dobrava o mapa lentamente, marcando um novo ponto.
— "Faltam só três cruzamentos. Estamos quase."
Ela assentiu. Em seguida, tirou o saquinho de sementes entregue pelo Erudito e o passou a ele.
— "Plante-as onde achar que deve."
Aelys vinha logo atrás, absorta na leitura do livro que recebera. De tempos em tempos, franzia o cenho.
— "Esse tal de 'Tharion de Orivann' aparece em várias gerações... Mas o nome muda, como se fosse... reciclado?"
Tharion não respondeu. Seus pensamentos estavam longe.
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Flashback – Dentro de Tharion
O cheiro de melado e fogo.
Titos correndo pelos corredores do palácio, pedindo doces.
— "Papai vai trazer um dragão?"
— "Papai..."
— "Por que o pai não vem mais?"
E naquele momento...
O menino perguntou, pela primeira vez:
— "O Erizy é meu pai?"
Tharion acordou do devaneio com a garganta apertada.
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O Aviso Silencioso
Mais adiante, um vilarejo.
Casas de madeira vazias. Portas escancaradas.
Nada quebrado, nada saqueado.
Mas também, ninguém.
Um ursinho jogado no barro.
Uma boneca na soleira.
E o mais terrível: nenhum som. Nem cães. Nem vento.
Kátyra se aproximou de uma parede marcada com cinzas.
— "Isso é... aramaico?" — Orren sussurrou.
Era. Uma inscrição rudimentar:
"Não chorem, pois nem o choro elas escutam."
Silêncio. Um silêncio que doía.
Tharion estalou os dedos nervosamente.
— "Vamos sair daqui. Agora."
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– O Sinal Sob as Sombras
Dias depois.
As botas do grupo estavam gastas, os olhos pesados, mas havia algo no ar: o pressentimento do fim.
Chegaram ao último ponto do mapa, onde pedras negras formavam um semicírculo natural. No centro, uma fenda no solo exalava um calor úmido e doentio. Ali, segundo as inscrições antigas, Voltrhuk despertaria.
Kátyra, mais pálida que o habitual, respirava fundo entre as dores que vinham como marés. Disfarçava com um sorrisinho rápido cada vez que alguém a olhava.
Tharion, porém, percebia. Seus olhos iam dela para o horizonte, silencioso, como se soubesse que o momento do parto e da guerra se aproximavam juntos.
Orren enterrou as sementes da árvore da vida, olhando para o céu, como se aquilo pudesse invocar algum poder antigo.
Aelys lia compulsivamente, os olhos arregalados.
— "Tharion... teu nome... ele aparece escrito ao lado de 'Primus de Sefarat'. Isso é... impossível..."
A Mensagem a Dimitry
No alto de uma colina, Orren ativou um espelho de prata.
Símbolos se acenderam.
A imagem de Dimitry surgiu. Cabelos mais grisalhos, mas os olhos tão afiados quanto nunca. Ao fundo, o trono vazio de Adam — agora coberto com um pano branco.
— "Recebi o sinal. Sei sobre as crianças. Sobre o livro."
— "A guerra vai começar antes do previsto."
Sem alterar o tom, ele moveu dois dedos.
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Os Guardiões Atendem ao Chamado
Na Fortaleza do Gelo, uma guerreira do Clã da Serpente deixa a faca cair propositalmente no chão, onde um símbolo oculto se acende. Ela desaparece na noite.
No Monastério do Grifo, monges interrompem o cântico. Um deles recolhe um medalhão, murmura "é chegada a hora" e voa com os ventos.
Nos Bosques da Coroa, dois Jeangles com aparência comum largam seus cestos de frutas. Seus olhos brilham com runas ancestrais.
Um a um, os aliados respondem. Não com gritos. Com silêncio e precisão.
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– O Coração do Precipício
Na fenda, os primeiros tremores.
A vegetação ao redor morre subitamente.
Kátyra apoia-se em Tharion, discretamente.
Ele a segura pelo cotovelo, sem olhar — mas apertando um pouco mais do que o necessário.
Ela sussurra:
— "Se eu cair... não me levanta. Protege ele."
Tharion engole em seco.
— "Você não vai cair. Não dessa vez."