---
Capítulo – Ecos do Abismo
A Neve que Arde
Nas profundezas da antiga Fortaleza de Ébano, onde nem mesmo os ventos ousavam cantar, acendiam-se tochas negras. A pedra era viva ali — pulsava com uma energia sombria que lembrava um coração monstruoso batendo sob a terra.
Caminhando entre sombras e ecos, um Ataxa de pele cinzenta e olhos carmesins deteve-se diante do altar. Era alto, coberto por um manto de malhas escuras e chamas frias dançavam em seus ombros.
Seu nome era Azarkul, o Tecelão da Discórdia.
Ele se ajoelhou diante de um trono vazio feito de espinhos e ossos.
— "O filho do sangue real nasceu, meu Senhor."
Um sussurro respondeu em sua mente, vindo de todos os cantos ao mesmo tempo:
— "Então chegou a hora de abrir a fenda..."
Azarkul sorriu.
— "O Norte ainda lambe as feridas. Mas há medo... e onde há medo, há abertura."
Atrás dele, outros cinco Ataxas surgiram das trevas. Todos diferentes. Um tinha olhos de lobo. Outro, asas translúcidas como vidro rachado. Uma mulher de cabelos como fumaça segurava uma criança em silêncio — uma das poucas bardaxas treinadas por eles.
— "Libertem o primeiro Arauto. Deixem o povo ver que seus deuses estão morrendo."
---
O Despertar do Arauto
Em uma floresta abandonada, uma cripta oculta nas raízes de uma árvore colossal estalou.
Um antigo Arauto Ataxa — corpo envolto em metal negro, olhos vazios, runas entalhadas no próprio osso — abriu os olhos após séculos adormecido. Ele era um misto de tecnologia antiga, feitiçaria sombria e carne de sacrifício.
Seu nome era Raegorn, o Olho que Perscruta.
E ele havia sido enviado para fazer apenas uma coisa:
Quebrar o símbolo dos Guardiões.
---
Visões Proféticas
Naquela mesma noite, a velha Vidente Nymara — que vivia exilada entre os Jeangles do Sul — foi tomada por uma convulsão de profecia. Seus olhos se reviraram, e sua boca sussurrou em mil vozes ao mesmo tempo:
"O arauto andará entre os homens, mas sua sombra será maior que a sua carne.
O lobo uivará três vezes antes do céu sangrar novamente.
E o coração da princesa será partido... não uma, mas duas vezes."
A mensagem se espalhou como fogo selvagem. Até mesmo os Darxas, em sua arrogância silenciosa, sentiram um calafrio.
---
O Conselho de Guerra
Dias depois, a fortaleza do Norte reuniu novamente os mais altos líderes das castas e clãs. Dimitry, agora reconhecido como rei absoluto, ergueu-se diante de todos.
— "Os Ataxas estão vivos. Mais do que isso — estão organizados. Eles não querem apenas destruir reinos. Querem queimar a memória de quem fomos."
— "Não basta termos vencido Erizy." — continuou. — "Um novo inimigo se levanta. E desta vez... ele pensa, planeja e fere onde mais dói: no futuro."
O nome de Azarkul foi dito ali pela primeira vez.
E o mapa do Norte foi redesenhado com marcações vermelhas. Todos sabiam que o tempo da preparação acabara.
No dia seguinte...
---
Palácio do Norte – Sala do Conselho ao amanhecer
O salão estava em silêncio, exceto pelo som do andar firme de Dimitry. Ele trajava sua armadura cerimonial, mas sem as insígnias de paz. Kátyra acabara de sair, ainda furiosa por ter sido "designada" para uma missão — mesmo sabendo que a saúde do filho estava em jogo. Tharion permaneceu.
Dimitry parou diante dele, os olhos cravados como lâminas.
— Você desobedeceu minhas ordens, Tharion. Eu disse que não se deitasse com minha filha de novo.
— Eu não a forço. — respondeu Tharion, firme, mas sem arrogância. — E não é o senhor quem escolhe por quem ela sangra ou respira.
— Não. — Dimitry respirou fundo, as mãos atrás das costas. — Mas sou o pai dela. E o avô daquele menino. O que eu faço é protegê-los. Mesmo quando isso significa contrariá-los.
Ele deu um passo mais perto.
— Você vai acompanhá-la. Vai protegê-la com a vida, se for preciso. E traga minha filha de volta. Inteira.
Tharion assentiu, sem pestanejar.
— Sempre foi essa a intenção.
— Por isso estou mandando mais dois com vocês.
Dimitry então chama dois nomes:
— Aelys, arqueira da guarda pessoal da rainha, e Orren, um dos últimos conjuradores da Casa do Grifo. Eles obedecerão a você — mas só se Kátyra permitir.
Antes de deixá-lo ir, Dimitry se aproxima uma última vez. A voz agora baixa, quase paternal:
— Você pode ser o pai do menino, Tharion. Mas ela ainda é minha filha. E se alguma coisa acontecer com ela por tua imprudência... não será o campo de batalha que vai te salvar de mim.
Pausa
Tharion , engole seco ,o coração acelera e uma gota de suor ,escorre em sua fronte.
---
O Presságio das Cinzas
A primeira aldeia desapareceu antes mesmo que o sol nascesse. Quando os primeiros batedores chegaram, não encontraram corpos — apenas cinzas flutuando entre estruturas carbonizadas. No centro da praça, um símbolo antigo fora entalhado com precisão no chão enegrecido: um olho lacrimejante, cercado por espinhos.
Eles haviam chegado. Os Arautos.
Relatos se espalharam como praga: crianças adoecendo, animais mortos sem ferimentos, rios secando ao amanhecer, ventos que sussurravam nomes esquecidos.
No Palácio do Norte, o silêncio era pesado demais. Guardas caminhavam tensos pelos corredores. Cora havia perdido o filho ainda não-nascido, e seu grito — um lamento primal e mágico — ainda ressoava pelas paredes como um eco indomável. Os curandeiros diziam que ela sobreviveu por pouco.
Na ala norte, Kátyra observava o filho em transe, deitado sobre almofadas entre velas acesas. A doença o consumia lentamente. Seus olhos perdiam o brilho, e suas mãos, mesmo frágeis, riscavam os mesmos símbolos vistos nas crianças das províncias. À noite, murmurava:
— Eles estão vindo... e eu... sou a chave...
Ela segurou sua mão, apertando com força.
— Eu vou salvá-lo. Nem que eu quebre os céus pra isso.
---
No Conselho de Guerra mais tarde...
Dimitry convocou o conselho de guerra. O salão, antes lugar de discursos diplomáticos, agora estava carregado de tensão. Adam não estava mais entre eles. O mundo já não era o mesmo.
— A praga não é natural — disse Orren, o conjurador da Casa do grifo. — Esses símbolos, essas palavras... são resquícios de feitiçaria sombria da Primeira Era. Algo que esteve adormecido... até agora.
— Os Arautos não deixam rastros — disse Aelys, arqueira da guarda da rainha, com voz firme. — Mas o que quer que os controle... quer as crianças.
Todos olharam para Kátyra. Ela nem piscava.
Dimitry respirou fundo.
— Uma missão será enviada para investigar os sinais no sul. Preciso de alguém que conheça as rotas escuras, que saiba rastrear o silêncio e matar no breu. — Ele voltou-se para Tharion. — Você vai com ela.
---
A Nova Conversa com Tharion – No aposento privado de Dimitry
Tharion entrou no aposento escuro, iluminado por uma única chama mágica suspensa no ar. Dimitry estava de costas, observando o mapa dos reinos. Quando se virou, seus olhos eram os de um rei — não de um pai.
— Feche a porta.
Tharion obedeceu, sem falar.
— Eu dei ordens claras — começou Dimitry. — Nenhuma aproximação. Nenhum toque. Nenhum suspiro fora do dever. Mas você cruzou a linha.
Tharion manteve-se firme, mas seu olhar não era desafiador. Era honesto.
— Ela não é sua propriedade. Nem minha. Ela escolheu.
— Escolheu? — Dimitry deu um passo à frente. — Você acha que eu não vejo? Kátyra sangra por dentro. Ela carrega peso demais, e você... você não é uma âncora. É uma tempestade.
Silêncio.
— Mas mesmo assim... ela te ama — disse Dimitry, finalmente. — E ele... o menino... tem os seus olhos. Eu vejo isso. Mesmo que doa.
Tharion murmurou:
— Eu daria minha vida por ela. Pelo nosso filho.
— Eu não quero sua morte, Tharion — disse Dimitry, num tom mais baixo. — Eu quero sua lealdade. Sua obediência. Não a mim, mas ao que está por vir. Essa missão pode definir o destino de todos nós.
Ele apontou com firmeza:
— Aelys e Orren irão com vocês. Eles têm ordens de proteger Kátyra a qualquer custo. Se você for um risco para ela, mesmo que por um instante... não hesitarão em te derrubar.
Tharion assentiu. Dimitry então se aproximou, olhos nos olhos.
— Traga minha filha de volta. Com vida. Com o menino. Ou traga os dois... e caia junto. Não me faça escolher entre o rei que preciso ser e o pai que ainda sou.
--
---