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Capítulo – A Canção do Herdeiro Perdido
O amanhecer tingia de cobre e cinza as montanhas ao norte quando Kátyra selou sua montaria. Nenhum brado, nenhuma cerimônia — apenas um silêncio determinado pairando sobre os degraus do Palácio de Nivélion. Ao seu lado, Tharion ajeitava a capa de viagem e escondia a dor recente com gestos secos. Eles partiram antes que o reino despertasse por completo.
Seguiam por rotas esquecidas, onde os mapas tremiam nas mãos dos cartógrafos. Atrás, deixavam um mundo em luto; à frente, um filho perdido — e um destino que ainda não ousavam nomear.
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No terceiro dia de viagem, já entre as colinas cobertas de névoa, Tharion quebrou o silêncio.
— E quando o encontrarmos? — Sua voz era baixa, mas firme. — O que acontece depois, Kátyra?
Ela não respondeu de imediato. Os olhos fixos no horizonte pareciam tentar decifrar mais do que caminhos — tentavam decifrar a si mesma.
— Eu o criei em segredo... porque achei que estaria protegendo ele. Mas no fim... só o deixei vulnerável. — Ela respirou fundo. — Quando o encontrarmos, vou ser tudo o que prometi ser. Mãe. Guardiã. E... se ele permitir, amor.
Tharion olhou para ela por um longo tempo, sem falar. Então fez um gesto discreto com a cabeça e apontou uma trilha escondida entre as árvores.
— Vem. Acho que precisamos de uma pausa antes que esse mundo inteiro pese sobre nossos ombros outra vez.
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A trilha levava a uma pequena aldeia construída ao redor de uma taverna de madeira, chamada A Rosa de Cinza. Lá, o calor era real — de fogueiras e risos. Havia dança. Música tocada por flautas e cordas antigas. Jeangles locais celebravam a colheita, alheios às guerras de cima.
Kátyra hesitou na porta. Mas Tharion já estava dentro, sorrindo com o canto dos lábios e pedindo duas canecas.
— Achei que devíamos lembrar que ainda somos vivos.
Ela se sentou, olhando ao redor com um misto de curiosidade e nostalgia. Quando a música envolveu o salão, Tharion estendeu a mão.
— Vamos dançar?
Ela riu, relutante, e aceitou. Giraram sob as luzes trêmulas das lamparinas, os pés leves, como se o tempo voltasse ao que nunca foi.
Ao final da dança, sentaram-se novamente, ofegantes. Kátyra pousou a mão sobre a dele.
— Eu devia ter te contado. Desde o começo. Você merecia saber que era pai. Eu errei. Me escondi atrás da coroa, das responsabilidades, das desculpas. Mas nunca mais. Te juro, Tharion. Nunca mais.
Ele olhou para ela, surpreso com a vulnerabilidade na voz. Apertou sua mão.
— E o seu pai? Dimitry... vai me aceitar ao lado de vocês?
— Se ele não aceitar... — Kátyra sorriu de forma sombria. — Vai ter que aprender. Eu não sou mais só filha dele. Sou mãe agora. E estou pronta pra lutar por isso.
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Naquela noite, sob estrelas que pareciam ouvir mais do que dizer, Kátyra e Tharion não dormiram como fugitivos — mas como companheiros. Não havia mais mentiras entre eles. Apenas a verdade nua, crua e ardente de um amor forjado na guerra... e de um filho que talvez fosse mais poderoso do que os dois jamais imaginaram.
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