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Chapter 46 - Algo Que Não Deveria Ser 

O golpe perfurante atingiu com a força de um touro — toda ela concentrada na ponta de um gume inexorável e incandescente. 

Houve um impacto seco e uma força contrária que fez doer meus ossos. 

Pequenas lascas da casca pétrea voaram, enquanto a lâmina sublime rompia uma resistência que não deveria ceder diante de um mero oponente Dormente. 

A espada cravou-se e afundou na superfície do ovo da prole vil sob o peso de minha investida. 

Um clarão de luz carmesim, sinistra, brilhou através das rachaduras que se abriram... e desapareceu. 

Terminus Est se chocou contra o fundo do gigantesco ovo, e sua casca terminou de se romper, revelando apenas escuridão. 

Uma torrente de líquido preto e viscoso fluiu sobre as teias brancas de aranha. 

No silencio que se seguiu, o Feitiço anunciou: 

[Você matou um diabo grande, Prole do Vil Pássaro Ladrão.] 

[Você recebeu uma Memória: Gota de Icor.] 

Atento às suas palavras, aguardei por um momento. Então, apertei os lábios, um tanto desapontado. Eu realmente queria aqueles sessenta e quatro fragmentos oníricos. 

Mas, pelo visto — além de já carecer de essência da alma — a prole vil também não possuía reminiscências suficientes sequer para formar um único extrato de sonhos. 

{Isso é... ugh...} 

A voz do Espírito da Espada soou, mas sua sonoridade estava interrompida — como se ela estivesse sob alguma dificuldade.

Antes que eu pudesse formular minha preocupação— 

[Sua alma resplandece mais forte.] 

Uma inundação surgiu de súbito. 

Uma quantidade assustadora de essência onírica permeou-me, intensificando de forma memorável o poder de minha alma lírica. 

Carne e ossos pareciam ser galvanizados de dentro para fora por uma força etérea. Meu corpo cambaleou, e apoiei-me na espada para firmar-me. Pensamentos aceleraram-se, e os sons de um coração pulsante os preencheram. 

Isso poderia ter sido eufórico, não fosse tão abrupto e sem explicações. 

‘Status!’ chamei pelas runas. 

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Fragmentos Oníricos: [956/2000]. 

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“... Oitocentos”, sussurrei, espantado. 

Então, lembrei-me de terminar de conferir os Atributos e Habilidades da Terminus Est — os únicos suspeitos conhecidos que poderiam ser os agentes dessa agradável surpresa. 

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[Geração da Fantasia]. 

Descrição do Atributo: [Restaurada pelo poder dos sonhos, Terminus Est é um ser extraordinário — e tão real quanto o mundo que a concebeu.] 

[Lâmina de Ariandel]. 

Descrição do Atributo: [Restaurada a partir da essência de Ariandel of Fantasy, Terminus Est está vinculada a alma de seu portador.] 

[Juramento da Espada]. 

Descrição do Atributo: [Terminus Est possui uma vontade viva—tão forte quanto a afeição de uma jovem beldade e tão mortal quanto seu amor ardente. 

Sua lealdade é inabalável, e seu juramento, eterno.] 

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[Lâmina Sublime]. 

Descrição da Habilidade: [O corpo desta espada é forjado de ouro puro, de ferro duro, de diamante — ela é afiada além da lógica; ela é durável além da razão.] 

[Fardo das Lembranças]. 

Descrição da Habilidade: [Esta espada é capaz de conservar uma porção da essência da alma de qualquer ser contemplado por seu gume como essência onírica.] 

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E ali eu a encontrei, entre as descrições impressionantes — uma incrível Habilidade de crescimento. 

“E-e-eu serei abençoado...” murmurei, encantado, enquanto olhava para a espada em minhas mãos. 

Pelo que era explicado pelo Feitiço, acabávamos de experienciar a digestão onírica de uma parte significativa da alma de um Diabo Grande. 

{Cerca de dez por cento da essência do ser, multiplicado — ou dividido — por dois elevado à diferença entre o Ranque da alma absorvida e o da alma que absorve, eu diria. A Classe não tem influência.} 

A voz do Espírito da Espada soava como o tintilar de cristais e parecia vir de um lugar muito íntimo, falando diretamente à minha alma. 

Ela se recuperara de imediato e não parecia se comover com a situação, apesar de ter sido ela quem suportara o peso do processo. 

{Voltar ao meu dever, e matar um Diabo Grande. Estou encantada, na verdade.} 

Um sorriso manso surgiu em meu rosto iluminado diante daquela fala suave. 

“Será um prazer contar com você, Terminus Est.” 

Com isso dito, deixei as desconhecidas novidades para o final, começando pelas runas da nova Memória. 

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Memórias: [Sempre-Viva], [Armadura da Legião Luz das Estrelas], [Fragmento da Meia-Noite], [Gota de Icor]. 

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[Gota de Icor]. 

Classificação da Memória: Desconhecido. 

Nível da Memória: Desconhecido. 

Tipo da Memória: Desconhecido. 

Descrição da Memória: [O Vil Pássaro Ladrão era detestado tanto pelos deuses quanto pelo –desconhecido-. 

Contudo, ele só se importava com coisas reluzentes. 

Enfeitiçado pelos belos olhos de Weaver, roubou um deles numa noite escura e sem estrelas. Impaciente, a criatura odiosa contemplou seu prêmio ainda em pleno voo. 

Porém, ao ver o reflexo do -desconhecido- eternamente congelado nas profundezas da pupila de Weaver, enlouqueceu e gritou, deixando cair o olho no mundo mortal abaixo. 

Tudo o que restou em seu bico ganancioso foi uma única gota de icor puro e dourado.] 

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A descrição daquilo era tão pouco convidativa que um fio de dúvida ainda serpenteou ao redor de meu coração, apesar da restauração em minha determinação. 

{A maldição que você quer tomar para si é descrita como abominável por algum motivo, afinal.} 

‘Você dá ao ato um tom muito mais altruísta do que ele realmente é.’ 

{Estou curiosa para ver você lidar com o 'porém’ destas “bênçãos”.} 

‘Você já não conhece os meus pensamentos?’ 

{Uma donzela não pode apreciar uma prosa leve?} 

Sorri e ri alegremente com a graça agradável da minha parceira dos sonhos.

Então, alcancei a Memória em minha alma com um toque levemente descontraído, invocando-a. 

Instantaneamente, faíscas de régia luz dourada surgiram no ar à minha frente, fundindo-se em uma gota esférica e flutuante de um inaudito líquido dourado radiante. 

Antes que eu pudesse terminar de apreciar a fantasia do momento— 

[Você adquiriu uma gota de icor. Deseja consumi-la?] 

O Feitiço falou novamente, sua voz soando um pouco diferente pela segunda vez — e em meros minutos.

Desta vez, era quase como se a construção divina estivesse... entusiasmada. 

No entanto, o que realmente me prendeu a atenção foi o fato de que o trabalho de Weaver não se mostrava, em nada, indisposto a me ver tomando o destino dos outros. 

{Pensar sobre isso seria um esforço sem qualquer possibilidade de proveito, creio eu.} 

Ao Espírito da Espada, assenti. Ao Feitiço, sem mais demora, respondi: 

“Sim, por favor.” 

E como resposta, ouvi-o dizer algo desnecessário pela primeira vez: 

[Como desejar, Príncipe da Fantasia.] 

A esfera dourada se dividiu em dois fluxos de um líquido belo e radiante. Eles fluíram pelo ar, aproximando-se de meu rosto. Senti seu toque acariciar minhas bochechas. 

Então, o líquido auricolor alcançou meus olhos e fluiu através deles, inundando minha visão com seu esplendor áureo e penetrando em minha alma por meio deles. 

Logo, ele desapareceu. 

"Ah... isso vai doer, não vai?" 

{Sua constituição sonhadora o poupa de sentir muita dor.} 

"Foi o que pensei... depois que aquele raio me atingiu." 

Um segundo se passou, depois outro. 

"Me evocou as Joias da Alma, de Madoka Magica. Imaginei que o Núcleo Onírico da Alma traria benefícios semelhantes." 

Uma flamejância branco-áurea ainda acariciava os arredores com sua luminosidade suave. Meu corpo e minha espada permaneciam embebidos por seu poder, que irradiava através de minha alma — uma sensação morna e agradável me envolvia. 

Ainda assim, tremi quando finalmente senti alguma coisa. Mas não foi como a dor que eu esperava. 

Não se tratava de uma agonia excruciante, nem do prenúncio de um sofrimento angustiante. 

Em vez disso, foi como se a força que sustentava cada músculo, cada órgão e todos os meus ossos tivesse sido subitamente interrompida por algo em meu próprio sangue. 

Meus olhos se fecharam sem que eu os comandasse. 

{!!!} 

Eu me sentia distante de mim mesmo... 

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